sexta-feira, 3 de abril de 2015

She goes her own way ੴ

    Seu pai não era muito de falar, e Evangelinne sabia disso. Sempre vira seu pai a maior parte do tempo calado, mas sempre lhe dissera muito, em atitudes principalmente. Não era estranho de se esperar que em uma noite tão turbulenta como aquela, com tantos trovões e relâmpagos, Frank não fosse deixar sua filha nem ao menos colocar o braço para o lado de fora de casa. Ele podia ser o botânico maluco e lunático que a cidade inteira conhecia desse modo, mas quando se tratava de proteger a cria ele sempre fora excepcional. Frank não se casara de novo, nem o pretendia. Amava sua filha acima de qualquer coisa, afinal tinha a criado sozinho, tendo que transferir todo o seu trabalho para dentro de casa. Não pode mais fazer expedições nem tampouco passar noites adentrando matas fechadas como gostava de fazer na época da universidade. Como moravam numa antiga fazenda no norte do país, lá mesmo foi instalada uma estufa para o trabalho do botânico, mas ele nunca deixou de acampar com a pequena Evangelinne sempre que podia. Sair um pouco do ambiente civilizado e entrar em contato com a natureza intocada. O pai sempre fez questão que ela tivesse esse estímulo, deu a ela uma horta para que tomasse conta e Eva adorava sua responsabilidade. Quando não estava na escola, passava a maior parte do tempo cuidando de suas rosas, parte da coleção de flores de Frank, e cuidado de sua pequena horta nos fundos da casa. Ela se impressionava com força com que as pequenas plantas se desenvolviam mesmo quando o solo não era tão propício. Mas naquela noite nem acampar, nem excursão pela floresta estava dentro dos planos de pai e filha. Frank se encontrava sentado no chão com as costas encostadas no sofá e ele olhava atentamente uma amostra de orquídea tropical que havia recebido de um aluno que ouvira sua palestra. Evangelinne sentada no sofá, próximo à cabeça do pai estendia as páginas de um livro sobre as pernas dobradas. Um livro que possuía a capa cor de vinho e grandes imagens em seu interior, um livro sobre mitologia. Não um livro desses que relatam por cima as histórias dos deuses imortais, sátiros e ninfas. Era algo profundo, e a cada página que Eva lia, mais parecia que aquilo era tão real quando sua plantação de cenouras. Ganhara ele de Frank no natal e prometera que leria tudo, mas por enquanto não havia chegado nem ao meio do mesmo. 


     Papai, é verdade que os deuses vinham até os mortais e tinham filhos com eles? a menina perguntou subitamente deixando de olhar o livro por alguns instantes e fitando a nuca do pai. Frank ainda distraído com sua amostra pareceu não ter se dado conta da pergunta. ― Papai! ― ela falou mais alto fazendo com que dessa vez o homem a notasse e deixasse um pouco a flor de lado. 
    ― Diga, minha flor. ― ele virou a face para a garota levando uma mão até os óculos ajeitando-os na ponte do nariz. 
    ― Aqui diz que segundo a lenda os deuses do Olimpo vinham ao mundo mortal e se reproduziam com mortais. ― ela voltou ao argumento deixando um leve sorriso brincar em seus lábios. ― Hilário, não acha? 
    Eva não percebeu, voltara sua visão para o livro, mas Frank tinha deixado a orquídea cair no chão. Sua face mais que pálida agora havia se voltado para frente enquanto, pelo que parecia, ele tentava retomar o fôlego. 
     Se eu encontrasse um deus desses eu fazia um estrago. riu-se Evangelinne apontando a figura do Cupido. Frank voltou-se para a filha se ajoelhando em sua frente. 
     O que mais fala aí a respeito disso, Eva? ela regrediu algumas páginas passando o dedo por sobre as linhas impressas. Nada demais, só aquilo mesmo que eu disse. suspirou continuando a ler as palavras que se seguiam. Bom, os filhos que nasciam eram chamados de semideuses, ou em outros casos, de heróis, pois herdavam algumas vantagens de seus pais imortais, porém eram mortais.
    Frank engoliu seco, o que passou imperceptível aos olhos de Eva. O que quer que tenha mexido com ele, não queria demonstrar para a filha, em hipótese nenhuma, ela deveria saber que sua vida guardava mais do que segredinhos escondidos em diários. Escondia, talvez, o que poderia fazê-la decidir qual rumo tudo tomaria de agora em diante, mas ela não voltaria a ser a Evangelinne. Só a Evangelinne. 

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